sexta-feira, 31 de maio de 2013

Um amor e muitos provérbios

                Existem milhares e milhares de ditados, provérbios e outras citações que as pessoas levam consigo e repetem quase como um mantra, uma parte de um modelo para suas vidas. Nunca gostei dessas frases – ou seja lá o que forem – pois as escutava demasiadamente. Lembro-me da clássica: “panela velha que faz comida boa”, o que sempre me pareceu uma grande mentira, uma vez que minha mãe sempre comprava novas e, sinceramente, a comida ficava tão boa quanto antes. “Olho por olho, dente por dente”, “Um por todos e todos por um”, “Onde se ganha o pão não se come a carne”, “Casa de ferreiro, espeto de pau” (esse eu nunca entendi) e por tantos outros que todos, mas TODOS conhecem.
                Mas, de tantas coisas que a vida podia me reservar, me reservou a vingança dos “ditados populares”, ou melhor, “o feitiço virou contra a feiticeira”. Deus é irônico (ou Odin, Alá, Buda… Quem você preferir!) e descobri isso da pior – ou melhor – forma possível.
                Sempre fui um pouco “rebelde”, não como aquela série boba de México (nada contra o país, gosto muito de tacos apimentados), mas sim do tipo que gosta de dar trabalho aos pais. Na verdade, sempre dei trabalho a minha mãe, meu pai era um militar, vivia ausente ou perguntando sobre minhas notas baixas, pois ele considerava oito em matemática o fim do mundo. Não que isso justifique, uma vez que tem muita gente normal por aí, mas me abalou de alguma forma, pois, no meu subconsciente, resolvi mostrar que podia ser diferente, podia ser melhor do que aquele modelo robótico que meu pai exigia que eu fosse. Porém meu pai se foi em uma rápida tarde de Dezembro e meu sentimento continuou.
                Aos dezesseis anos me vi livre, podia ser o que eu quisesse! A primeira coisa que fiz foi pintar o cabelo de vermelho, depois a usar roupas que não fossem somente jeans e t-shirts. Por fim, descobri algo além de uma beleza e sensualidade desconhecida, descobri aquilo que qualquer pai teme: os “garotos”. Não me drogava, mas gostava de sair e gastar minha pensão com vinhos, boates e coisas completamente sem nexo.
                Minhas notas caíram, mas se mantinham numa média razoável, eu sempre fui inteligente, só não gostava quando meu pai “forçava a barra”. A coitada da minha mãe ficava louca, tentava conversar, mas eu realmente não a escutava, ou como ela falava: “Entrava por um ouvido e saía por outro”. E eu? Dava um grande foda-se para tudo! Meu pai sempre tinha as mesmas palavras, ela apenas as repetia quando cansava de ser doce.
A última vez que ela realmente brigou comigo eu tinha dezessete anos, estava no último ano do colegial, pouco me importava com faculdade ou carreira militar, apenas queria continuar vivendo aquela vida de aventuras, onde minhas noites eram dias, meus dias eram dias e minhas tardes eram gritos loucos da minha mãe. Mas aquela vez – sim, aquela – dona Olívia, ou mamãe, estava me esperando quando eu cheguei, às nove da manhã “trêbada”. Ela me pegou pelo braço e me arrastou até o banheiro, onde me jogou debaixo do chuveiro e foi tirando as minhas roupas, eu pedia para ela parar, mas era impossível, eu estava bêbada demais. Eu me lembro de apenas olhar para o ralo enquanto ela me batia com um cinto de couro e eu chorava absurdamente, lembro que tinha sangue, mas não me lembro de onde. Fiquei com enormes hematomas, manchas vermelhas e muita dor.  Minha mãe chorava loucamente no sofá quando finalmente acordei, já de noite, e a única coisa que pensei foi: “Por que essa filha da puta tá chorando se quem está machucada sou eu?” Não fazia sentido! Peguei minhas coisas, joguei tudo em uma mochila e falei que ia sair, depois de, claro, falar horrores para ela, falei coisas tão horríveis e sem piedade que nem tenho coragem de repetir, toda noite peço para que eu não me lembre de cada palavra, nem ela. A única coisa que ela disse foi: “Quando você for mãe, vai entender”. “Mais uma porra de um ditado” foram as últimas palavras que disse antes de sair e bater a porta.
Fui para a casa de uma amiga, continuava indo à escola, embora com menos frequência, e, depois de seis meses lá, comecei a ficar doidona só de sentir o cheiro do baseado. Fui pra casa do Carlos, um dos meus amigos de saídas, os pais dele estavam em uma viagem de negócios. Eles voltariam em um pouco mais de um mês, mas enquanto isso o inevitável aconteceu, eu e o Carlos começamos a ter relações, já estávamos “ficando” há um tempo, então… Foi exatamente quando os pais deles voltaram que estávamos sentados no sofá, pálidos, um olhando fixamente para o outro. Depois de anos, descobri o que era chorar por algo que não fosse uma dor física. Foi o caos! Eu tinha menos de dezoito anos e estava grávida de um garoto da minha idade, não tinha casa ou amigos que realmente me acolhessem - todos moravam com os pais, ninguém queria uma menina barriguda em casa.  Falaram de aborto, mas, por mais louca que eu fosse, eu tinha uma criança dentro de mim. Os pais dele me deixaram ficar por mais uma semana, até eu decidir o que fazer.
Era quase fim de ano, eu havia passado raspando, não via futuro. Carlos disse que iria ajudar, os pais dele falaram para ele se virar e não falaram mais com ele desde então. Foi no último dia que eu tinha na casa deles que escutei me chamarem da sala e, quando cheguei lá com o meu namorado, vi minha mãe no sofá, junto com a mãe dele. Nunca vi dona Olívia em pior estado, nem mesmo quando o Coronel Cardoso morreu: ela estava mais magra, pálida, com olheiras e um olhar esquisito… Em meio segundo em que a encarei tudo se passou pela minha mente, um medo gigante, uma vergonha devastadora, sabia que ela iria me bater, iria tirar aquele feto de três semanas na força bruta... Ou talvez ela fosse gritar tanto que eu não conseguiria pensar, iria me humilhar… Mas, ao contrário, ela se levantou assim que me viu e abriu os braços de um jeito tão acolhedor, maternal, que a única coisa que consegui fazer foi correr até eles, enterrar o rosto em sua blusa e chorar. Nunca vou me esquecer daquele momento, eu apenas chorava, soluçando desesperadamente, pedindo desculpas, enquanto uma mão me embalava e a outra mexia em meus cabelos – que agora estavam pretos, pois cansara do vermelho. Naquele momento nada fazia sentido e creio que nunca fará algum.
Peguei minhas coisas e rumamos para casa sem dizer uma palavra, quando chegamos, ela apenas me mandou tomar banho e eu o fiz, depois fomos para o médico. Foram exames e mais exames antes de voltarmos para casa. Foi um dia silencioso, uma noite quieta e sem sonhos, deitei na minha velha cama e chorei até dormir. Ao acordar, já quase meio dia, encontrei minha mãe sentada à mesa, lendo, tinha café, leite e pão.
- Você tem que comer, Viviane. Você sabe disso. – ela me disse após eu ficar uns bons minutos olhando para a mesa.
- Mãe, por quê? Por que você voltou? Por que você está fazendo isso? Como você me achou?
- Viviane, eu sou sua mãe. Sempre soube onde você estava, sempre pedi aos céus para que você estivesse bem. Quando a mãe do Carlos me ligou, pensando que eu não queria mais minha filha, eu apenas perguntei o endereço e fui. Pode não fazer sentido agora, mas é algo que você só vai saber quando for mãe. Pode ser uma porra de um ditado, mas é a realidade.
Cada palavra era falada no mesmo tom, não calmo, nem raivoso… Mas nulo. Apático. E foi nesse mesmo tom apático que ela me lembrou que o filho era meu, que eu iria cuidar, amamentar e acordar de madrugada, talvez ela um dia cuidasse dele quando eu fosse estudar e trabalhar, mas a responsabilidade era minha. “Quem pariu Mateus que o embale”, ela me disse. Mas, como ela disse, ela era mãe. Ela pode não ter sido suficiente forte para “segurar minhas rédeas” quando eu resolvi fingir ser revoltada, mas ela estava sendo forte o suficiente para me perdoar, me amar, me ajudar, me apoiar e olhar para mim todos os dias mesmo depois de tudo que eu disse para ela. Não fazia sentido. Era amor, o puro e mais simples.
            Os meses se passavam devagar e eu ia crescendo, assim como a criança dentro de mim. Sentia enjoos e desejos, tinha medo e alegrias. Tinha medo do futuro, não só do meu, mas também do futuro do pequeno ser que era gerado. Mas também tinha a alegria de sentir alguém tão pequenino dentro de mim, alguém tão dependente da minha proteção, dos meus cuidados. Foi na primeira vez que o Mateus se mexeu dentro de mim que percebi que eu realmente amava uma criança mesmo sem vê-la, que eu a amava por ser meu sangue e minha carne, eu a amava por sua pequenez, mas também a amaria quando fosse grande. Eu me preocupei com os machucados que ele ainda viria a ter por cair, com os sorrisos que ainda iria sorrir, com as dúvidas que teria, com o medo que sentiria e, quando estivesse perdido, eu tinha certeza que iria abrir os braços e não perguntaria nada, apenas o acalentaria. Era tão claro, tão nítido, mas não fazia sentido, nem nunca fará pois, se fizesse sentido, não seria amor.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

O Escritor


Crio, recrio. Escrevo, reescrevo. Faço nascer e morrer. Posso fazer alguém feliz, posso lhe dar um amor, para então destruir. Crio famílias, crio risos, crio lágrimas, crio caos. Da imaginação eu tenho o pincel, da sua mente tenho a chave. Faço festa, faço poemas, faço amor.

Muito prazer, sou O Escritor.





{Nota da Autora: Essas linhas já têm um tempo, mas são o meu "ponto de partida" para voltar com o blog. Mesmo que ninguém veja ou saiba, algumas palavras têm destinos melhores do que o serem esquecidas na minha massa cinzenta chamada de cérebro.}

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Entre dois amores

Mamãe,

                Não sei exatamente como começar estar carta, na verdade, estou reunindo toda a minha coragem para escrevê-la. Primeiro quero que saiba que eu te amo muito e que sempre, mas sempre, vou te amar. A senhora sempre foi uma mãe maravilhosa, firme nas horas certas, doce e gentil, me ensinou valores que vou levar para toda a minha vida e um deles foi a verdade.
                Sempre fui uma adolescente alegre, tive namorados, fui à praia, ao cinema, à boate... Fiz praticamente tudo que uma jovem faz: ser feliz! Porém, como a senhora sabe, sou uma pessoa recatada, tímida, e isso sempre teve seus lados bons e ruins. Lembro-me quando a senhora dizia sobre não ser “Maria vai com as outras” e eu sempre disse que não era, mas no fundo eu fui. A maioria dos meus “namoricos”, mesmo os escondidos (que eu tenho certeza que a senhora sabia, mãe sempre sabe!) foram por conta das amigas e amigos, mas eu resolvi mudar.
                Lembro-me, mamãe, quando resolvi ir à igreja, a senhora achava que eu só ia para fazer amigos. Não sei se era, mas não posso negar que fiz amigos maravilhosos lá e, acima de tudo, conheci a Deus. Talvez eu o conhecesse antes, porém foi há três anos atrás que eu me apaixonei e agora, com vinte anos, resolvi me entregar a esse amor. Eu te amo, mamãe, mas Ele me chamou para uma missão maior.
                Sei que a senhora não deve estar entendendo ainda, então lhe peço calma, a mesma calma que tento ter enquanto meus dedos tremes e meus olhos se enchem de lágrimas a cada palavra desta carta. Nunca fomos uma família religiosa, papai só vai à igreja para casamentos, a senhora só às vezes e eu fico no oposto da balança, desta vez será muito mais oposto...
                Lembra uma vez quando conversávamos sobre o futuro? Ah, mamãe, seus olhos brilhavam quando a senhora falava em ter uma netinha, que iria amar ver sua única filha grávida, falava de como queria muitos pequenos correndo em sua casa e te chamando de vovó. Eu fiquei maravilhada, não posso mentir, mas pouco depois eu percebi que este não é o meu futuro, mamãe, eu fui escolhida para servir, eu quero me consagrar. Sim, eu quero ir para um convento, por mais duro que isso pareça, por mais arcaico que isso pareça, por mais irreal que isso pareça. A senhora pode falar que estou passando dos limites, que estou exagerando e afins, mas não estou mamãe. Sinto esse chamado há um certo tempo, mas sempre tive medo de te contar, pois a senhora tem tantos sonhos e fica tão feliz com eles, que eu me sinto como alguém sem coração que sopra um castelo de cartas quando estamos pondo a última cartinha, lá no topo. Fui criada bem, tive uma ótima educação e, na última carta, eu soprei os seus sonhos de continuar essa família.
                Fiquei com essa dúvida por tempo demais, meu coração fica apertado só de pensar, mas o que me leva a fazer isso é mais forte do que eu ou, até mesmo, do que a senhora, mamãe. Ele me chama e eu vou atender. Me sinto em um triângulo amoroso, por mais cômico que isto pareça: de um lado minha mãe, que eu amo tanto que daria minha vida por ela; de outro um chamado do Pai, que eu amo tanto que estou dando tudo por ele. Peço, mamãe, que encare isso como uma coisa boa, sou escolhida, não sou melhor que ninguém, apenas tenho uma missão de vida mais além. Quero ajudar, mamãe, quero servir de corpo e alma.
                Me desculpe por estar te contando assim, realmente me sinto péssima em fazê-lo, mas sabia que se eu falasse que estava indo para a casa das Irmãs e ficaria lá por bem mais que um fim de semana, a senhora iria me impedir, iria ficar triste... A coisa que eu menos gosto, mamãe, é te ver triste, afinal, com um sorriso tão lindo, que me cativou desde o momento que eu saí da senhor, um sorriso que me acalentou nas noites de pesadelos, que me consolou com as quedas da bicicleta, que enxugou minhas lágrimas nas brigas com namorados, que se emocionou quando eu entrei na faculdade de Psicologia. É esse sorriso que eu levarei para sempre comigo e em cada noite, ao fechar meus olhos, lembrarei de ti sorrindo, como se eu tivesse novamente sete anos.
                Sempre irei te visitar, mamãe, também vou te ligar e vou tomar sorvete de abacaxi com passas. Mas não lhe darei netos, nem serei um influente psicóloga, também não terei uma casa própria, assim como não vou viajar para o Rio de Janeiro e nadar em Copacabana. Mas uma coisa sempre será a mesma em mim: meu coração.

Um enorme beijo,
do seu eterno docinho de morango,
Anna Júlia.




{N.A.: O tema era "Triângulo Amoroso", então acho que vocês perceberam o motivo do selo. Obrigada! }



quinta-feira, 26 de maio de 2011

Querida infância.


Querido Carlos,

            Fico feliz a cada vez que o porteiro me entrega um envelope com o selo do Rio Grande do Sul colado. É como se uma luz se abrisse e eu pudesse estar ao seu lado, como nos bons tempos. Foi realmente uma ótima idéia mantermos a comunicação pelas cartas, é algo tão pessoal: é sua caligrafia, suas palavras e seus sentimentos. Nenhum e-mail ou rede social poderia dar a mesma sensação, a sensação de ter meu amigo novamente ao meu lado.
Estive relendo sua carta antes de começar a escrever a minha e as travessuras de sua irmãzinha me lembraram os nossos tempos de criança. Não que faça muito tempo, afinal, temos apenas 20 anos! Sabe, realmente sinto falta daqueles tempos, que tem um gosto um tanto doce para mim. Creio que para você também, pois nós sempre comprávamos jujubas quando nossos pais nos davam algumas moedas que, naqueles bons tempos, pareciam um enorme tesouro. Ah, também me lembro daquelas balinhas, que pareciam umas gosmas, lembra? Umas tinham um formato muito estranho de minhoca, por isso você ficava correndo com elas atrás de mim. Eram um tanto nojentas, mas no final comíamos tudo.
Ah, Carlitos, como aqueles tempos eram suaves. Cada coisa que aprontamos juntos, mesmo eu sendo menina, ficava do seu lado, fazendo as “molecagens”. Isso me lembrou do dia que pulamos o muro daquela vizinha que parecia a bruxa do 71, do Chaves. Minha bola colorida caiu lá, enquanto brincávamos, acho que, até o dia da minha primeira prova de cálculos, aquele tinha sido o dia mais assustador da minha vida. Pular aquele muro gigante, se arranhar na goiabeira, fugir do cachorro e, no fim, saímos como vencedores. Acho que nos pagaram umas cinco tortuguitas, me senti a “dona da rua”, como a Mônica. Éramos os donos da rua, pelo menos por um dia, para os nossos colegas.
Hoje em dia tudo mudou e isso às vezes me deixa um tanto intrigada, pois tudo passa extremamente rápido, enquanto naquela época, cada hora era uma eternidade, onde brincávamos, corríamos e ríamos pelas ruas, que um dia foram tranqüilas. Não vejo mais crianças soltando cafifa, como fazíamos, ou melhor, como você fazia, eu apenas corria atrás das avoadas. Tinha pernas boas, hoje em dia elas são usadas mais para correr quando me atraso para as aulas de Física Experimental. Acho que elas ainda são rápidas, pois corri muito com vocês, e de vocês. Venhamos e convenhamos, eu sempre fui a melhor do Pique - esconde e no pique-alto. Tudo bem que eram os seus esconderijos, mas eu sempre corri mais.
Ontem, quando recebi sua carta, fiquei pensando muito nisso, na nossa infância, nossas brincadeiras. Às vezes fico observando o pessoal da faculdade, alguns tão sérios e estressados, tudo bem, que temos muita coisa para estudar na Engenharia Química, mas percebo que eles esqueceram de algo que jamais devemos esquecer: de ser criança. Sabe, esqueceram como é bom brincar na chuva, apostar corrida de bicicleta, comer chocolate escondido antes do almoço, jogar bafo com os tazos, colecionar todas as figurinhas de Pokémon, comer pasta Tandy, jogar bola, queimado, pique, taco...
Creio, Carlitos, que a cada carta isso se renove um pouco em mim e espero, de todo o coração, que se renove em você também. Estou com muitas, mas muitas saudades! Não vejo a hora das férias chegarem e você vir para cá, quem sabe a gente não relembra um pouco esses tempos? Sabe, duvido que você me vença numa corrida ou em um jogo de bafo. Ainda tenho alguns cartas de Yu-Gi-Oh guardadas.
Bem, acho que depois dessa carta, não tenho mais o que falar, afinal, minha vida anda se resumindo entre estágios e intermináveis trabalhos de faculdade. Mas, mesmo dentro dessa rotina maluca de estudos, sei que tenho a minha criança guardada, a mesma da nossa eterna infância. Sim, eterna, pelo menos em nossas mentes e corações.

Beijo gigante, com gosto de Kinder Ovo.
De sua sempre Méli,
Amélia Hantson.

Ps.: Estou enviando a cópia de uma foto nossa no quintal da Tia Júlia, onde brincávamos naqueles balanços antes de ficarmos grandes demais e a árvore velha demais. Espero que goste.






(N.A.: Agradecimento especial o projeto Bloínquês,que vem inspirando, dia a dia, vários escritores. Muito obrigada.}



sexta-feira, 13 de maio de 2011

Boa noite, papai.





Querido papai,

            Mais uma vez estou tentando encontrar as palavras necessárias para te dizer algo que meu coração sente, mas minha boca tem medo de falar. Sempre gostei de falar as coisas olho no olho, como você me ensinou, mas hoje tive que mudar isso, você me fez mudar isso.
            Eu sei que as coisas não estão bem desde que a mamãe fugiu com outro homem, em busca do sonho dela. Sabe, papai, ainda me lembro de como era antes, como nossa pequena família era feliz: meus pais com um emprego legal, você sempre trazia doces da rua e mamãe fazia uma sopa deliciosa. Lembro de quando me ajudavam com os deveres de casa, coisas tão bobas, que pareciam terrivelmente difíceis, mas que me fizeram aprender o verdadeiro significado de uma família.
            Mas, sempre, sempre algo acontecia. Nunca entendi, pai, essa coisa de você ser tão bipolar, emoções extremistas, que cheguei a comparar com alguns poetas românticos, antes de perceber a real gravidade disso. Todas as vezes que você se estressava, gritava muito, e por pouco não batia em mim ou na mamãe. O único problema é que não era às vezes, era sempre. Aos poucos fui percebendo que a sua vida não tem altos e baixos, como a de todo mundo, a sua vida são altos e baixos, altíssimos e baixíssimos, como uma montanha russa que desce e sobe, deixando todos de cabelos em pé.
            Há dois anos, quando mamãe fugiu, eu não entendi, me revoltei e quase sempre rasgava os postais ou deletava os e-mails que ela mandava. Quando eu perguntei o porquê dessa saída agressiva, me deixando para trás, ela não falava que a culpa era minha ou sua, apenas falava que um dia eu iria entender e hoje, papai, eu entendi.
            Quando você encontrar essa carta, estará junto com a sua janta, sempre feita com carinho, minha cama está feita, como todos os dias, minhas lições de casa também, pois, mesmo sem ajuda, eu sempre fiz tudo, pensando que um dia voltaria a ter minha família, mas isso não aconteceu.
            O que eu quero te explicar é que a vida não é dessa forma violenta, agressiva. Na vida às vezes ocorrem mudanças da “água para o vinho”, mas devemos sempre tentar manter a linha. Todas as vezes que você chegou em casa bêbado e furioso, eu sentia muita raiva e, quando chegava tão feliz que a felicidade chegava a ser sólida, eu sentia nojo e te achava hipócrita. Nós temos que ter bom senso e se lembrar que a vida não gira em torno de nós mesmos. Cansei das suas opiniões extremistas, cansei dos brejos e paraísos, cansei de todas essas voltas. E espero que um dia você se canse também e veja o que eu estou tentando falar aqui, veja porque eu e mamãe saímos dessa loucura.
            Lembre-se, papai, a vida é muito mais que altos e baixos, a vida somos nós quem construímos e podemos fazer relevos planos. A vida não é ser radical ou não se impor, a vida é ter sua opinião formada por tudo que vivemos. A vida é como um parque de diversões, tem altos e baixos, como uma montanha russa, tem momentos escuros, como um trem fantasma, tem hora que batemos, como em um carrinho de bate-bate, mas tem horas que, simplesmente, a vida é doce, gira lentamente e tudo fica calmo, como em um carrossel.
            Por isso, papai, estou indo embora. Talvez um dia eu volte, mas, nesse momento, estou em busca de uma estabilidade, de algo que eu possa me firmar e dizer: agora vai ficar tudo bem. Quero ser feliz, papai, mesmo sabendo que virão algumas dificuldades. Espero que me compreenda, embora eu ache difícil, mas, no dia que você mudar, vai perceber exatamente o que eu e mamãe sentimos ao deixar a sua vida. Ainda espero ter minha família de volta, mas não vou fazer nada de extremo, como você fez ao quase saltar da janela, há dois anos. Não, papai, a vida me ensinou coisas que, mesmo com 18 anos, eu aprendi mais rápido que um homem feito. Nunca se esqueça que eu te amo e que sempre serei a sua pequena.

Com o coração livre,

Anne Stamburk, a pequena.







domingo, 1 de maio de 2011

Sonho de um vascaíno

             Era mais uma final emocionante da Taça Rio e lá estava eu, no estádio, no belíssimo Maracanã, palco de tantos jogos marcantes. E aquele jogo seria um dos jogos que ficam para história! Eu tinha certeza, eu sentia isso, estava no meu sangue. Estava com a camisa do meu Vascão, o manto de honra! A cruz de malta estava firme em meu peito, iríamos ganhar! Golear o Flamengo, nosso maior inimigo. Não só eu, mas como todos os vascaínos de alma e coração, estávamos cansados dessa história de vice. Não somos vices! Fomos. Estávamos há minutos de sermos os novos campeões da Taça Rio e poder gritar para todos aqueles rubro-negros de uma figa: VICE!
            O jogo ia decorrendo na agitação, apertado, como uma boa final, cheia de emoções. Mas o meu Vasco estava na frente, estava sim. Faltavam somente cinco minutos para o final do jogo e o placar estava 3x2 para o Vascão. O Flamengo não ia ganhar, não ia ganhar. Não dessa vez, nem nunca mais! Agora era a vez dos vascaínos, era a vez da elite da cruz de malta brilhar, era a vez de todos os vascaínos se sentirem levantando a taça. Ah, nós levantaríamos.
- Só tem mais três minutos, cara! Vamos ganhar! – Escutei meu amigo vibrando ao meu lado, junto com seu radinho, onde escutávamos o Galvão Bueno narrando o jogo.
- Vamos ganhar! – Vibrei junto a ele, rindo, agarrando o meu manto vascaíno. Mais uma vez a cruz de malta iria brilhar e o Rio de Janeiro veria os campeões ressurgindo.
            Dois minutos e Ronaldinho Gaúcho lança uma na trave. Ah, meu coração foi em Marte e voltou, minhas mãos agora puxavam meus cabelos que, mesmo lisos, estavam para cima de tanto que eu os puxei na agitação. A torcida gritava, o mundo girava, era uma mar de preto e branco do lado que eu estava, era um mar de preto e vermelho do outro lado. E, ali no campo, era que aqueles mares se dividiam, mas deixavam seu coração batendo no mesmo ritmo: no ritmo do futebol.
            Um minuto e nada dos Flamenguistas fazerem outro gol. Eles estavam investindo firme, indo contra os jogadores vascaínos, mas nossos guerreiros estavam fortes. Eles também queriam a taça, a torcida queria a taça, o Vasco queria a taça. A bola se tornava um pontinho voando pelo campo, rápido, de pé em pé. O radinho vibrava, a torcida vibrava: o estádio vibrava. Foi quando o Vasco avançou e algum jogador lançou a bola no gol, não sei qual, pois, naquele momento, não escutava nada, não sentia nada, apenas acompanhava aquela bolinha indo em direção ao gol e... GOL! Ah, eu não aquentei, ninguém aquentou. O juiz, em algum canto do campo, apitou o fim de jogo, o Galvão Bueno também anunciou que éramos campeões. Mas eu não escutei, pois estava pulando junto com a minha torcida, junto com a torcida do meu Vasco. Gritávamos, pulávamos, chorávamos. O mundo era nosso, a taça era nossa e o Flamengo era nosso vice. O nosso vice! Ah, como eu queria gritar vice para o primeiro flamenguista que me aparecesse na frente. Mas aquele não era o momento.
            Finalmente, depois de muito tempo, conseguimos sair do estádio. Ficamos para ver a entrega da taça, claro! Eu estava lá, junto com meus amigos, rindo, felizes porque o nosso Vasco era campeão. Campeão da Taça Rio. Estávamos indo para o carro quando vi um grupo de flamenguistas encostados em um carro próximo, eu conhecia dois deles, amigos de faculdade, então fui em direção deles.
- Diego, o carro está ‘pra lá, cara! – Jonas veio ao meu encontro, ainda sorrindo, indicando o outro lado com o polegar.
- Eu ainda tenho uma última coisa para fazer. – Falei decidido, mais decidido do que já estive em toda minha vida. Uma coisa é você gritar “vice” para qualquer flameguista, mas gritar “vice” para um conhecido que gritou “vice” para você durante anos é outra coisa. Era como se um peso fosse sair de minha alma. Eu sentia isso, eu precisava disso. Cheguei pero dos rapazes, visivelmente abatidos.
- Fala aí, gente! – Cumprimentei o grupo, todo sorridente, enquanto eles me responderam alguns “oi”, “fala aí”, realmente desanimados, ou irônicos. Marcos e Cláudio já sabiam o que eu queria.
- Pode falar, Diego. Mas fala logo que o cheiro de naftalina está vindo aqui. – Marcos torceu o nariz, rindo em seguida.
            Foi quando eu peguei fôlego para gritar que o Flamengo era vice que eu escutei um barulho estranho e tudo girou ao meu redor. Nesse exato momento eu acordei, com o despertador berrando ao meu lado e a TV ligada, mostrando os jogadores do Flamengo levantando a Taça Rio. É, pelo visto Vasco não ser vice do Flamengo é apenas um sonho, um conto de fadas que todos os vascaínos sonham.

{Nota da autora: Meus queridos, só para deixar bem claro que sou Flamenguista de coração e que não tenho nenhum preconceito com os outros times. Futebol é esporte, é festa, é saúde e alegria. Este conto é apenas uma brincadeira. E, lembrando que este pequeno conto é uma ficção, ou seja, eu sei que o jogo desse ano foi no Engenhão e, qualquer semelhança com a realidade, é mera coincidência. Muito obrigada. Atenciosamente: Natasha Mello. }





sexta-feira, 29 de abril de 2011

Sem você...


            É mais um início de tarde e eu chego em casa, como se fosse mais um dia. Já é quase hora do almoço e eu me lembro como você brincava, falando mal da minha comida, mas sempre deixava o prato limpo segundos depois. Mas hoje não haverá mais pratos a serem limpos, nem haverá almoço. Resolvo tomar um banho, mas no banheiro ainda está a sua toalha, sua escova de dentes e também aquele perfume que você sempre usava. O seu cheiro ainda está no ar.
            Após o banho, me jogo no sofá e ligo a TV. Adivinha? Está naquele canal que passa seu programa favorito, que muitas vezes passava no mesmo horário dos filmes que eu gostava. Todas as vezes nós víamos o filme, mesmo quando você não gostava...
            E a nossa cama? Ah, como ela tem histórias! Já dormir várias vezes sozinha nela, porque eu sempre falava para você dormir no sofá quando brigávamos.  Eu gritava, você gritava, mas, no dia seguinte, seu sorriso iluminava minha vida.
            Mas e agora? Quem iluminará minha vida com um sorriso? Quem vai me escutar e me abraçar? Parece que foi ontem que nos conhecemos, parece que foi ontem que, com muito esforço, compramos este apartamento. Mas não, não foi ontem. Ontem foi o dia que você saiu para mais um dia de trabalho, foi ontem que um jovem bêbado bateu em seu carro, enquanto ele ia para balada e você voltava da hora extra. Foi ontem que, por falta de ajuda e demora de socorro, você não voltou mais para casa. Foi ontem que eu descobri o que é morrer, pois sem você eu não sei existir.

{ N.A.: Lembrem-se sempre que por trás de cada pessoa, já uma história de vida e de sentimentos. }